Vantagens e desvantagens do uso de software na análise de dados qualitativos

António Pedro Costa ([email protected]) e Luís Paulo Reis ([email protected]) organizaram uma edição especial com artigos de Investigação Qualitativa em Engenharia e Tecnologias. Neste texto partilhamos a nota introdutória publicada nesta edição especial (Costa & Reis, 2017).

A utilização de pacotes de software na análise de dados qualitativos é uma realidade que poucos investigadores conseguem, atualmente, contornar. Alguns investigadores recorrem a soluções não específicas, tais como o Excel ou o Word para a análise dos seus dados qualitativos. Outros, têm a necessidade de indicar, nas suas publicações, que exploraram determinada ferramenta de análise de dados, sem a terem efetivamente utilizado. Independentemente do caminho que o investigador segue, é claro que o uso correto de ferramentas específicas para a análise de dados qualitativos credibiliza o projeto de investigação.

A comunidade acredita que, tal como na utilização de um processador de texto para a escrita de texto, são inúmeras as vantagens no uso destas ferramentas na análise de dados: a) permitem a análise de uma enorme quantidade de dados; b) incluem procedimentos de contextualização e de validação; c) permitem a definição de categorias de forma indutiva e dedutiva, codificação e recodificação, exploração e cruzamento de diferentes formatos de dados (texto, imagem, áudio e vídeo); d) permitem visualizações avançadas dos dados; entre muitas outras (Spannagel, Glaser-Zukuda, & Schroeder, 2005; Lage & Godoy, 2008; Costa, 2016). Identificam-se estas características como possíveis vantagens da utilização deste tipo de software.

Como referem Evers, Silver, Mruck, & Peeters (2011) não existe o melhor software. Cada programa tem as suas vantagens e desvantagens e, por esse motivo, não existe um software melhor do que todos os outros em todas as suas funcionalidades para análise qualitativa. Por conseguinte, é compreensível que os investigadores tenham, muitas vezes, dificuldade em decidir qual o pacote em que investem tempo e esforço de aprendizagem. Por outro lado, Costa, Souza & Souza (2016), no capítulo “Trabalho Colaborativo na Investigação Qualitativa através das Tecnologias”, realizaram um estudo aos participantes do Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa (www.ciaiq.org) com o intuito de identificar quais os critérios para a seleção de um software de análise qualitativa. Foi utilizada uma escala de Likert com cinco níveis e 14 critérios pré-definidos. Nas suas respostas, os 362 participantes inquiridos deram mais importância, ou seja, responderam como “Muito Relevante” aos seguintes critérios: “Adequabilidade ao tipo de investigação” (262 respostas), “Adequabilidade ao desenho de investigação” (233 respostas), “Funcionalidades” (230 respostas) e “Usabilidade do software” (223 respostas). Com 200 respostas, os participantes referiram a “Disponibilidade do software na instituição”.

Elencar as desvantagens no uso destas ferramentas é algo que acompanhou o surgimento destes pacotes de software. Brent (1984) na década de 1980 já mencionava como desvantagem as competências computacionais que os investigadores teriam de adquirir. Gibbs, Friese, & Mangabeira (2002) afirmam que o software é menos útil para abordar questões de validade e confiabilidade nas ideias temáticas que emergem durante a análise de dados. Ryan (2009) concluiu que “os pacotes de software permitem aos investigadores tornar visíveis os processos metodológicos de um estudo e, deste modo, torná-lo mais confiável” (p. 158). Davis & Meyer (2009) sugeriram que é essencial que o investigador aprenda a explorar o software antes de usá-lo no projeto e que não se pode separar o investigador do programa. O investigador decide quais as características e as potencialidades a utilizar e quando e onde aplicá-las.

Por outro lado, existe uma série de críticas que são colocadas ao uso de software na análise de dados qualitativos: a) possibilidade de perder o controlo no processo de codificação; b) confundir a software com a metodologia; c) encorajamento de estruturas de codificação complexas e detalhadas, resultando num excesso de codificação; d) aumento desnecessário da quantidade de dados recolhidos, levando ao risco do comprometimento da análise em profundidade; e) impossibilidade de comunicação entre sistemas (pacotes de software); f) levam os investigadores a utilizar um método particular de análise, de acordo com as características da ferramenta (Lage & Godoy, 2008).Concluímos com uma citação de Brent (1984) que, passadas 3 décadas, continua válida e atual: “A análise de dados qualitativos implica uma série de tarefas aborrecidas e demoradas, das quais a maioria dos investigadores gostaria de escapar. Mesmo o investigador qualitativo mais consciente rapidamente começa a pensar que tais tarefas não são um uso económico do seu tempo. No entanto, essas tarefas exigem fundamentos teóricos sustentados e, portanto, são difíceis, se não impossíveis, de delegar a terceiros” (p. 37) e são também impossíveis de delegar a um pacote de software.

Referências

Brent, E. (1984). Qualitative computing: Approaches and issues. Qualitative Sociology, 7(1–2), 34–60. http://doi.org/10.1007/BF00987106

Costa, A. P. (2016). Cloud Computing em Investigação Qualitativa: Investigação Colaborativa através do software webQDA. Fronteiras: Journal of Social, Technological and Environmental Science, 5(2), 153–161. http://doi.org/10.21664/2238-8869.2016v5i2.p153-161

Costa, A. P., & Reis, L. P. (2017). Vantagens e desvantagens do uso de software na análise de dados qualitativos (Nota Introdutória). Revista Ibérica de Sistemas E Tecnologias de Informação, (23), 9–13.

Costa, A. P., Souza, D. N. de, & Souza, F. N. de. (2016). Trabalho Colaborativo na Investigação Qualitativa através das Tecnologias. In D. N. de Souza, A. P. Costa, & F. N. de Souza (Eds.), Investigação Qualitativa: Inovação, Dilemas e Desafios (1a, pp. 105–127). Oliveira de Azeméis – Aveiro: Ludomedia.

Davis, N. W., & Meyer, B. B. (2009). Qualitative Data Analysis: A Procedural Comparison. Journal of Applied Sport Psychology, 21(1), 116–124. http://doi.org/10.1080/10413200802575700

Evers, J. C., Silver, C., Mruck, K., & Peeters, B. (2011). Introduction to the KWALON Experiment: Discussions on Qualitative Data Analysis Software by Developers and Users. FORUM : QUALITATIVE SOCIAL RESEARCH, 12(1).

Gibbs, G. R., Friese, S., & Mangabeira, W. C. (2002). The Use of New Technology in Qualitative Research. Introduction to Issue 3(2) of FQS. Forum Qualitative Sozialforschung / Forum: Qualitative Social Research; Vol 3, No 2 (2002): Using Technology in the Qualitative Research Process, 3(2). Retrieved from http://www.qualitative-research.net/index.php/fqs/article/view/847

Lage, M. C., & Godoy, A. S. (2008). O uso do computador na análise de dados qualitativos: questões emergentes. RAM. Revista de Administração Mackenzie, 9(4), 75–98. http://doi.org/10.1590/S1678-69712008000400006

Ryan, M. (2009). Making visible the coding process: Using qualitative data software in a post-structural study. Issues in Educational Research, 19(2), 142–161.

Spannagel, C., Glaser-Zukuda, M., & Schroeder, U. (2005). Application of Qualitative Content Analysis in User-Program Interaction Research. Forum Qualitative Sozialforschung/Forum: Qualitative Social Research, 6(2).

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