Por Ana Isabel Rodrigues – Instituto Politécnico de Beja
O texto que apresentamos foi construído, essencialmente, com alguns excertos do Editorial “Análise de Dados Visuais: Desafios e Oportunidades à Investigação Qualitativa (RODRIGUES, NERI DE SOUZA e COSTA, 2017)” publicada na Revista de Pesquisa Qualitativa.
Aires (2015), ao falar dos contextos de investigação, afirma: “qualquer actividade científica se enquadra num conjunto de coordenadas espácio-temporais e sócio-históricas que condicionam e justificam as suas opções metodológicas” (p.4). Assim, um novo contexto revela-se desta forma ao investigador que, como sabemos, e em especial na investigação qualitativa é muito mais sensível ao que o rodeia. Um contexto se consubstancia num objecto de estudo caracterizado por emoções, sentimentos, percepções, opiniões, marcado pela proliferação da tecnologia, nomeadamente a internet.
É face aos novos desafios que se colocam à investigação qualitativa que surgem novas oportunidades. “Nunca poderemos esquecer de que teorias e métodos têm a ver com a realidade do mundo”, refere Minayo (2016, p. 31). E porque o mundo mudou bastante nos últimos vinte anos, a investigação qualitativa vai trilhando o seu próprio caminho e adaptando-se à “nova” realidade. Exemplo disso é o surgimento dos Métodos Mistos (Mixed-Methods) baseado na premissa de que o uso combinado de métodos quantitativos e qualitativos que pode proporcionar um melhor entendimento do fenómeno em estudo do que apenas uma abordagem (BRYMAN, 2006; CRESWELL & PLANO CLARK, 2011; GREENE, 2008). Este “novo” entendimento do processo de investigação, considerada como a “terceira comunidade metodológica” (TEDDLIE & TASHAKKORI, 2012) ou a “comunidade interactiva” (NEWMAN & BENZ, 1998), é expressão de que para “contextos diversificados e complexos, necessitamos de metodologias mais “completas” e/ou combinadas” (NERI DE SOUZA & COSTA, p. 1).
Na mesma linha de pensamento, a utilização do elemento visual na investigação qualitativa materializa-se no denominado “visual movement” (HEISLEY, 2001), com as suas raízes de aplicação no campo da antropologia visual. Os investigadores têm hoje à sua disposição um conjunto de dados com suporte visual como – pinturas, fotografias, filmes, desenhos, diagramas, entre outros – permitindo a introdução de novos elementos interpretativos que enriquecem a análise e entendimento do seu objecto de estudo. A imagem informa, elucida, documenta, acrescenta valor e sentido ao fenómeno em si. Banks (2007) aponta duas razões principais para a adopção de análise de dados visuais na investigação qualitativa:
- Na sociedade contemporânea as imagens são omnipresentes e exactamente partindo desta premissa, toda a representação visual deve potencialmente ser considerada em todos os estudos científicos sobre a sociedade. Ou seja, a imagem está em todo o lado e por isso não pode ficar “à parte” de projectos de investigação que se debrucem sobre o estudo e compreensão do mundo em que vivemos.
- Um estudo de imagens ou um estudo que utilize dados visuais pode ser revelador de novas perspectivas sociológicas que não estão acessíveis através da utilização de outro tipo de dados.
Contudo, e de acordo com Heisley (2001) em resposta à sua pergunta “Porque resistem os investigadores à adopção do elemento visual?”, expõem-se os seguintes motivos:
- No geral, o elemento visual é ainda considerado menos “sério” pela academia;
- O entendimento visual é acessível a todos, permitindo a quem observa múltiplas interpretações. Esta perda de controlo pode ser desconfortável e ameaçador para o investigador;
- Os investigadores não estão ainda familiarizados com o uso do “vídeo” como fonte de dados;
- Os investigadores são ainda influenciados e enviesados pela ideia de que as palavras são mais “intelectualizadas” do que as imagens;
- Parece não existir ainda uma “revisão de pares” que legitime a sua adopção;
- É muito, muito trabalhoso e exigente.
Além das razões apontadas anteriormente, podemos acrescentar o facto de somente nas últimas décadas terem aparecido ferramentas tecnológicas que facilitem o tratamento técnico de dados visuais, como imagem e vídeo, na análise qualitativa de forma integrada e flexível. Muitas destas ferramentas são ainda desconhecidas dos investigadores. Em termos gerais, é possível identificar duas vertentes principais na adopção de elementos visuais nas ciências sociais (BANKS, 2007, p. 67):
- A primeira refere-se à criação de imagens (dados visuais) como vídeos, fotografias, desenhos pelo próprio investigador de forma a documentar ou analisar aspetos da vida social e interação social. O investigador faz as suas notas, registos, apontamentos do que observa e analisa recorrendo a elementos visuais.
- A segunda diz respeito à recolha e estudo de imagens produzidas e/ou “consumidas/observadas” pelos sujeitos da investigação. Neste caso, o projeto de investigação é mais “visual” e existe uma maior ligação social e pessoal do sujeito que está a ser estudado com essas mesmas imagens.
Banks (2007) propõe neste seu livro algumas soluções para este problema no âmbito da investigação e métodos visuais. Apesar do valor científico da forma de registo de dados, como apresentado no ponto 1 anterior, ainda não é aceite ou simplesmente conhecido pela academia que a maioria dos pacotes de software já incorporam funcionalidades para descrição, interpretação e transcrição de vídeos e imagens. Por exemplo, na Figura 1 apresentamos um sistema de indexações, com textos descritivos ou inferenciais, associados a codificação e análise de uma imagem através do software webQDA (www.webqda.net).
Em suma, como refere Banks (2007), estas duas vertentes podem ser entendidas de forma contrastante. Por um lado, no primeiro caso, o uso de imagens para o estudo da sociedade e, por outro lado, um estudo e abordagem mais sociológica de imagens. Estas duas vias não são nem mutuamente exclusivas, nem são exaustivas e excludentes de toda a investigação visual nas ciências sociais. Compreendemos que a investigação qualitativa com base em dados visuais, apoiada com ferramentas tecnológicas específicas ainda está nos seus primórdios e que necessitamos de enfrentar muitos desafios e questões para que este tipo de dados encontre seu espaço de credibilidade no meio da comunidade académica das ciências humanas e sociais.
Referências
AIRES, L. Paradigma Qualitativo e Práticas de Investigação Educacional. Lisboa: Universidade Aberta. 2015.
BANKS, M. Using Visual Data in Qualitative Research. Sage Publications, Thousand Oaks, CA. 2007.
BRYMAN, A. Integrating Qualitative and Qualitative Research: How is it Done? Qualitative Research, v. 6, n. 1, p. 97-113. 2006.
CRESWELL, J. W.; PLANO CLARK, V. L. Designing and Conducting Mixed Methods Research. 2ª Edição. USA: Sage. 2011.
GREENE, J.C. Is Mixed Methods Social Inquiry a Distinctive Methodology? Journal of Mixed Methods Research, v. 2, n. 1, p. 7-22. 2008.
HEISLEY, D. D. Visual Research: Current Bias and Future Direction. Advances in Consumer Research, v. 28, p. 45-47. 2001.
MINAYO, M.C.S. Fundamentos, Percalços e Expansão das Abordagens Qualitativas. In: COSTA, A.P., NERI DE SOUZA, F. & NERI DE SOUZA, D. (Eds). Investigação Qualitativa: Inovação, Dilemas e Desafios, Vol.3, Oliveira de Azeméis: Ludomedia, p. 17-48. 2016.
NERI DE SOUZA, F.; COSTA, A. P. Qual o Papel da Investigação Qualitativa no Contexto dos Métodos Mistos? In Investigação Qualitativa no Contexto dos Métodos Mistos. Revista Pesquisa Qualitativa, Editorial, v. 4, n. 5, iv-viii. 2016.
NEWMAN, I.; BENZ, C. R. Qualitative-Quantitative Research Methodology: Exploring the Interactive Continuum. USA: Carbondale and Edwardsville, Southern Illinois University Press. 1998.
RODRIGUES, A. I.; SOUZA, F. N. DE; COSTA, A. P. Análise de Dados Visuais: Desafios e Oportunidades à Investigação Qualitativa (Carta Editorial). Revista de Pesquisa de Qualitativa, p. no prelo, 2017.
TEDDLIE, C.; TASHAKKORI, A. Common “Core” Characteristics of Mixed Methods Research: A Review of Critical Issues and Call for Grater Convergence. American Behavioral Scientist, v. 56, n. 6, p. 774-788, 2012.
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