Escrita académica: caminhos e desafios para o investigador

Escrita académica: caminhos e desafios para o investigador

Por Maria José Loureiro (Universidade de Aveiro)

As capacidades de escrita dos estudantes e investigadores universitários são uma preocupação constante nas comunidades académicas do mundo inteiro. A comprová-lo, a existência crescente de Centros de escrita ou Centros de escrita on-line, cujo objectivo é auxiliar, monitorizar e supervisionar a escrita de âmbito institucional universitário, ou seja a escrita académica.

Esta tipologia de escrita segue determinadas convenções com as quais o escrevente se deve familiarizar.

O acto de escrever pressupõe que o “sujeito escrevente”, ao ser solicitado a produzir determinado texto, saiba antecipadamente como articular o discurso, ou seja, possua a competência para poder dispor do seu saber fazer de forma a integrar ideias no texto, organizando o acto discursivo de forma a que se coadune com o tipo de texto pedido: narração, comentário, argumentação, etc. Tal tarefa só é realizada com êxito se for treinada e “aprendida” na interacção com os pares e professores, ou seja, a actividade escrita pressupõe alicerces para a sustentabilidade da aprendizagem de realizações linguísticas e discursivas diferentes. Como veremos, é justamente no facto de adaptar o texto aos diferentes tipos de textualidades que os alunos sentem mais dificuldades.

Com efeito, estudos efectuados apontam, como principais constrangimentos sentidos pelos estudantes, a dificuldade em sintetizarem e argumentarem, a dificuldade de se distanciarem daquilo que lêem, em estruturar o seu discurso de acordo com as exigências dos professores, o irrealismo dos trabalhos académicos pedidos e o facto de a tarefa de escrita se tornar mecânica, acentuando o ciclo do “desprazer” da escrita ou ainda a permanente tensão a que estão sujeitos por causa da avaliação, de que receiam ser alvo por temerem não conseguir dar resposta às expectativas do professor.

Daí que, também o número de encontros internacionais sobre o tema prolifere, havendo alguns com títulos tão incisivos como “Writing Development in Higher Education Conference – Challenging Institutional Priorities” que tem lugar periodicamente nos mais diversos países. Há uma alusão directa à necessidade de treinar os estudantes na escrita académica, devendo esta necessidade ser da responsabilidade dos professores, com vista a contrariar a visão generalizada de que o mau desempenho escrito dos alunos universitários se deve exclusivamente à falta de maturidade ou à falta de hábitos de trabalho, ou ainda que é responsabilidade exclusiva de aprendizagens pouco significativas, efectuadas nos ciclos anteriores.

Os estudantes, pretendendo, muitos deles, ser futuros professores, têm como única referência do processo de ensinar “a imagem de professor que eles rejeitaram e, assim, deparam-se com uma situação preocupante, para futuros professores” uma vez que lhes faltam os modelos para utilizarem na sua subsequente prática lectiva (Corrêa, 2004: 67).

Ao participarem em experiências em que a escrita e o desenvolvimento das competências respectivas é encarada de outra forma, tiram proveito da reflexão que fazem da sua qualidade de sujeitos escreventes e da aprendizagem da mesma, de acordo com novos objectivos, não só a nível académico como também a nível profissional.

Todo o texto científico se constrói a partir da argumentação. A argumentação constitui um acto de língua e simultaneamente de discurso. Trata-se de um acto de língua porque existem marcadores (mas, no entanto…) e verbos modalizadores (poder, dever, ser preciso…) performativos e argumentativos. Mas há também estratégias discursivas que visam argumentar como a ordenação dos enunciados de um texto pela qual se opta para formar o discurso.

A destreza de utilização destes meios linguísticos requer procedimentos activos onde o aprendente os observe e utilize em contexto significativo, multi ou transdisciplinar mas situado.

Neste sentido, a capacidade cognitiva da escrita e consequente influência directa na estruturação do pensamento e do próprio conhecimento determinam que a escrita  deva ser vista como um processo e não como um produto. Neste percurso entre pré-escrita ou planificação, escrita ou redacção e pós-escrita ou revisão que se desenrola num processo recursivo de progressos e retrocessos, o escrevente vacila entre estas diferentes fases. As ideias vão surgindo, sendo pensadas e reformuladas até atingirem a forma de pensamento amadurecido e desenvolvido, trabalhado e retrabalhado activamente num processo inacabado, já que na fase de revisão se pode reescrever o antes escrito ou mantê-lo. A interacção bidireccional entre o desenvolvimento e reformulação constante do pensamento e o progresso do texto, tem um papel preponderante no processo subjacente à elaboração do próprio texto e à articulação e estruturação das ideias que compõem o mesmo. A proficiência adquirida pelo escrevente leva-o à apreensão de capacidades no manuseio da linguagem e à fluência sintáctica, da qual dependem a qualidade do texto escrito.

Trata-se de um processo holístico, ou seja, baseado nas motivações e nas experiências, altamente dinâmico que resulta da associação e aglutinação de várias fases indo das mais simples, como sejam a cópia ou a tradução por escrito de um assunto trivial, às mais complexas das quais a mais elaborada é a expressão escrita de sentimentos íntimos e o texto argumentativo.

Referências

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