Triangulação de Dados através das Matrizes do webQDA

Triangulação de Dados através das Matrizes do webQDA

Patrícia Sá e António Pedro Costa, Universidade de Aveiro (Portugal)

O termo triangulação é proveniente da navegação e da topografia – triangulação entendida como método para fixar uma posição (possibilita a determinação de um ponto C através da observação dos pontos A e B) (Cox & Hassard, 2005; Bazeley & Kemp, 2012).

Nas Ciências Sociais e Humanas (CSH), o termo triangulação surge na área da Psicologia com Campbell e Fiske (1959, in Tashakkori & Teddlie, 1998), que se propuseram completar ou testar empiricamente os resultados obtidos utilizando diferentes técnicas quantitativas. Desde esta altura, vários são os autores que têm vindo a evidenciar as mais-valias do recurso à triangulação na investigação em CSH. Webb, Campbell, Schwartz e Sechrest (1966, in Kelle 2001) retomam a ideia de Campbell e Fiske (1959) e transferem-na para um contexto mais alargado: advogavam que a obtenção de dados de diferentes fontes e a sua análise, recorrendo a estratégias distintas, melhoraria a validade dos resultados. No mesmo sentido, para Denzin (1970) uma hipótese testada com o recurso a diferentes métodos podia ser considerada mais válida do que uma testada unicamente com o recurso de um único método. Paul (1996) e Jick (1984, in Cox e Hassard, 2005) consideram que a “triangulação” não se restringe à seriedade e à validade, mas possibilita uma análise mais completa e holística do fenómeno em estudo. Para Günther (2006) a triangulação é a utilização de diferentes abordagens metodológicas do objeto empírico para prevenir possíveis distorções relativas tanto à aplicação de um único método, quanto a uma única teoria ou investigador. Em síntese, para os vários autores, a triangulação serve um propósito de validação da investigação, permitindo perceber a complexidade da realidade a investigar a partir de diferentes pontos de vista e assegurando maior riqueza e rigor dos procedimentos e resultados alcançados. Permite, ainda, uma visão mais integrada e holística do fenómeno em estudo.

Relativamente à tipologia, de acordo com Denzin (1989) podem considerar-se 4 tipos de triangulação:

  • Triangulação de dados: consiste na recolha de dados através de diferentes fontes. Denzin distingue subtipos de triangulação e propõe que se estude o fenómeno em tempos (datas – explorando as diferenças temporais) e espaços (locais – tomando a forma de investigação comparativa) distintos e com indivíduos diferentes.
  • Triangulação do investigador: diferentes investigadores recolhem dados de forma independente sobre o mesmo fenómeno para, posteriormente, procederem a uma comparação e discussão. A apresentação dos dados recolhidos pelos diferentes investigadores (com ou sem a sua interpretação) proporciona, através das interpretações alternativas, o debate entre perspetivas (investigadores) e uma compreensão mais alargada do fenómeno.
  • Triangulação da teoria: consiste no recurso a diferentes perspetivas teóricas para analisar e interpretar os dados recolhidos.
  • Triangulação metodológica: utilização de várias abordagens metodológicas para estudar um determinado problema. Este tipo de triangulação permite a combinação de métodos qualitativos e quantitativos para estudo do problema.

O texto que aqui se apresenta tem como principal objetivo disponibilizar um exemplo de como o webQDA pode ser utilizado para realizar uma triangulação de dados. Para facilitar esta exemplificação, apresenta-se parte de um estudo realizado que tinha como objetivo compreender se o tipo de motivação (induzida, tardia e auto) de estudantes universitários era coerente ao longo de um ano letivo.

No âmbito desta investigação, foram recolhidos dados no final de dois semestres do mesmo ano letivo (ver figura 1). No exemplo que se apresenta, os estudantes foram entrevistados (individualmente) duas vezes e os professores participaram em dois grupos focais. Em ambos os casos, no final do primeiro e do segundo semestre. A triangulação de dados assentou nas diferentes técnicas de recolha de dados utilizadas (entrevistas e grupos focais).

Figura 1 – Triangulação webQDA

Figura 1 – Triangulação das Fontes de Dados

Após a recolha de dados, para utilizar o software para proceder à triangulação, o investigador deve importar para o webQDA as transcrições das entrevistas e das discussões dos grupos focais para o Sistema de Fontes (ver figura 2). Pode, ainda, classificar os documentos com alguns atributos que posteriormente permitam o seu cruzamento, por exemplo, através das matrizes.

Figura 2 – Importação e Classificação dos Dados no webQDA

Figura 2 – Importação e Classificação dos Dados

 

Neste exemplo, os dados foram classificados por tipo de participante (aluno e professor) e pelo período em que foram produzidos (1º semestre e 2º semestre).

Não sendo o foco deste texto explicar o processo de codificação, e partindo do pressuposto que o utilizador já realizou pelo menos parte da codificação interpretativa, é possível através da criação de matrizes duplas (bidimensionais) ou triplas (multidimensionais) realizar diferentes tipos de cruzamentos, por exemplo:

  • Dados descritivos: Participante por Semestre
  • Dados descritivos com interpretativos: Participantes e Tipo de Motivação, Semestre e o Tipo de Motivação (figura 3).
  • Dados interpretativos: saber quais os participantes do estudo que se referem unicamente a motivação Induzida e Tardia (excluindo a Auto).

Figura 3 – Resultado de uma matriz sobre o Semestre e o Tipo de Motivação

Apesar de o foco deste texto ter sido apresentar um exemplo do recurso ao webQDA (Costa, Moreira, & Souza, 2019) para proceder a uma triangulação de fontes de dados (Dezin, 1989), é possível explorar outros tipos de triangulação com este software, nomeadamente:  

  1. A triangulação de investigadores. Uma das principais mais-valias deste recurso é a possibilidade de trabalho colaborativo simultâneo entre investigadores, potenciando o cruzamento de perspetivas e pontos de vista necessários a este tipo de triangulação;
  2. A triangulação de teorias. A recente otimização do software para auxílio na Revisão de Literatura permite organizar quadros teóricos distintos, facilitando o confronto de diferentes perspetivas para interpretar o conjunto de dados em estudo;
  3. A triangulação metodológica. Pela possibilidade de conciliar os dados recolhidos com base em diferentes métodos de investigação e proceder à sua análise.  

Referências Bibliográficas

Bazeley, P., & Kemp, L. (2012). Mosaics, Triangles, and DNA: Metaphors for Integrated Analysis in Mixed Methods Research. Journal of Mixed Methods Research, 6(1). 55-72.

Costa, A. P., Moreira, A., & Souza, F. N. de. (2019). webQDA – Qualitative Data Analysis. Portugal: Aveiro University and MicroIO. Retrieved from www.webqda.net (versão 3.1)

Cox, J. W. & Hassard J. (2005), Triangulation in Organizational Research: a Representation. Organization, 12: 1, AB/INFORM Global, pp. 109-133.

Denzin, N. K. (1970). The research act: A theoretical introduction to sociological methods. Chicago: Aldine Pub. Co.

Denzin, N. K. (1989). The Research Act. Englewood Cliffs N. J.: Prentice Hall.

Gunther, H.  (2006). Pesquisa qualitativa versus pesquisa quantitativa: esta é a questão?. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 22 (2). 201-210.

Kelle, U. (2001). Sociological Explanations between Micro and Macro and the Integration of Qualitative and Quantitative Methods. Forum Qualitative Sozialforschung / Forum: Qualitative Social Research, 2(1). doi: http://dx.doi.org/10.17169/fqs-2.1.966

 Paul, J. (1996). Between-method triangulation in organizational diagnosis. International Journal of Organizational Diagnosis, 4, 135-153.

Tashakkori, A. & C. Teddlie (1998). Mixed methodology. Combining qualitative and quantitative approaches. Applied Social Research Methods Series, vol. 46. London: Sage.

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